Em 2018, segundo pesquisas da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), mais de 18 bilhões de transações foram feitas com cartões no país. Dentro desse volume, no mesmo período, apenas pouco mais de um milhão delas ocorreram via contactless. E esses números dizem muito sobre o cenário dos pagamentos por aproximação no Brasil.
As tecnologias do contactless, como NFC, radiofrequência (RFID) e aplicativos móveis, que permitem esses tipos de pagamentos, não são novas e estão há anos disponíveis para uso por parte de compradores e vendedores. Mesmo assim, ainda são subutilizadas em território nacional, enquanto outros países já aproveitam em larga escala as possibilidades que elas dão.
Neste post, vamos mostrar mais alguns dados sobre o uso de contactless no país, abordar os motivos da pequena disseminação e comparar os números locais com os de outros países que exploram mais a tecnologia.
Cenário dos pagamentos por aproximação no Brasil
As pesquisas da Abecs mostraram que o uso de pagamentos desse tipo cresceu 344% nos dois anos que passaram entre os primeiros semestres de 2017 e 2019. Porém, eles ainda não representam nem 5% do total de transações feitas presencialmente com cartões de débito e crédito. Ou seja, o aumento ainda não configura um grande progresso na utilização.
Outro dado que evidencia o crescimento vagaroso do contactless é a relação entre os números mais recentes, do primeiro semestre de 2019. Enquanto o total de pagamentos com cartões, incluindo pré-pagos, ultrapassou as 5 bilhões de transações no período, as compras feitas com a tecnologia de aproximação ficaram em cerca de 5,8 milhões.
Considerando a informação do período anterior, de pouco mais de um milhão de transações com NFC, o crescimento é de mais de cinco vezes, o que ainda deixa o Brasil muito abaixo de outros países que também fazem a sua aplicação. E, para efeitos de comparação, veremos agora números internacionais a respeito do assunto.
Cenário dos pagamentos por aproximação em Índia e China
Na Europa, 40% de todos os pagamentos já são feitos com aproximação, enquanto na Austrália o índice já chega a 90%. Apesar desses números, Índia e China ainda lideram o uso dessas transações no mundo, concentrando juntos 35% de todo o volume global.
Entenda as realidades desses países e como elas foram construídas, aliando tecnologias de cartões e aplicativos móveis.
Índia
Apesar de ter altas taxas de pobreza e partes da população sobrevivendo na extrema miséria, além de ter um dos piores índices de desenvolvimento humano (IDH) do mundo, a Índia já ultrapassou o Brasil no uso do contactless. Inclusive, em dezembro de 2018, a Visa — líder global em soluções de pagamentos e recebimentos — já havia emitido no país asiático 20 milhões de cartões com NFC.
Junto à grande emissão, a empresa também investiu em infraestrutura para aceitação desses pagamentos capacitando principalmente negócios do comércio com equipamentos para recebimentos por aproximação. Também, o governo indiano criou campanhas de troca dos cartões com tarja magnética por cartões com NFC e chip.
Um dos grandes passos para a criação dessa realidade também teve participação governamental, quando o órgão indiano equivalente ao Banco Central para o Brasil advertiu as instituições do país para promoverem inclusão bancária, que começou digitalmente com foco em mobile bank. Até esse momento, no ano de 2013, apenas cerca de 60% da população era bancarizada.
Outro fator que influenciou o uso do contactless na Índia foi a criação de uma interface unificada de pagamentos por um conglomerado de bancos, chamada no país de UPI (sigla para Unified Payments Interface). O aplicativo móvel permite receber e transferir dinheiro e realizar pagamentos com smartphones em leitura de QR codes.
Diante desse cenário todo preparado para as transações por aproximação, e a decisão do primeiro ministro de invalidar 86% do dinheiro em espécie circulante em 2016, todas as tecnologias tiveram aumento de usuários. No geral, apenas na época da decisão, as transações com cartões aumentaram em 20%, e as com UPI tiveram aumento de 57%.
China
A China também supera o Brasil no uso do contactless, principalmente por conta dos dispositivos móveis e aplicativos que realizam pagamentos a partir de leitura de QR codes.
O Grupo Alibaba, dono do AliExpress, e a Tencent lideram as transações por aproximação via mobile, com respectivamente os aplicativos AliPay e WePay. Inclusive, em relatório do último mês de fevereiro, as companhias revelaram que os chineses em viagem ao exterior bateram recordes de pagamentos com suas tecnologias, efetivando compras na soma de aproximadamente R$ 660 milhões — em várias moedas — em apenas quatro dias.
Os aplicativos chineses conquistaram até mesmo o público teoricamente mais difícil de adotar novas e modernas soluções para práticas antigas, os idosos e moradores de cidades menores e vilarejos. E isso ocorreu, até mesmo modificando uma tradição chinesa: o Hong Bao, envelope vermelho com dinheiro para presentear entes queridos no ano novo chinês e em outras datas. Em 2019, por volta de 820 milhões de chineses trocaram o envelope pelo Hong Bao digital, consumidores adeptos ao contactless.
Com tudo isso, em maio de 2018 mais de 60% das transações chinesas já eram feitas por meio dos apps. Mas não significa que as instituições chinesas não se atentam ao NFC. Segundo a Associação Bancária da China, em 2017 o país já contava com sete bilhões de cartões em circulação e 31 milhões de terminais preparados para serem usados com NFC.
Motivos da subutilização no Brasil
Como ocorria na Índia até poucos anos atrás, o Brasil não sofre de gigante desbancarização da população e falta de infraestrutura e tecnologia. Por aqui, faz anos que cartões com NFC são emitidos e que pontos de venda de produtos e serviços contam com máquinas preparadas para receber as transações contactless. Além disso, os aplicatios móveis e wearables com RFID também não são novidades e estão disponíveis, sendo de fácil acesso.
Ainda assim, como vimos nos números de pesquisas da Abecs, o apelo é pequeno. E os principais motivos para isso são pouca divulgação dos principais players, falta de emissão de cartões com NFC e falta de conscientização das pessoas.
É claro que wearables, cartões com NFC e apps de pagamentos são divulgados no país, inclusive em veículos de massa. Porém, também é claro e perceptível que a maior parte dos esforços, e investimentos, de divulgação de bancos e players como Mastercard e Visa são alocados em seus principais produtos: cartões de crédito, financiamentos, empréstimos e mais recentemente contas digitais.
Quanto à pouca emissão de cartões com NFC, nos deixa muito atrás da Índica, que paradoxalmente até poucos anos atrás tinha uma população proporcionalmente muito menos bancarizada que a brasileira. Pelas estimativas da Abecs de maio de 2019, o país conta com apenas cinco milhões de cartões desse tipo, enquanto 70% dos terminais de todo o território nacional já estão preparados para recebê-los.
Por fim, se a divulgação comercial ainda é falha, a educação para consumidores, vendedores e prestadores de serviços é ainda pior. Não existem campanhas de marketing fortes e outras ações a nível nacional com objetivo claro de ensinarem aos usuários sobre a segurança e a praticidade dessa tecnologia.
Mesmo com esse cenário, os pagamentos por aproximação no Brasil vêm sendo mais utilizados com o passar do tempo em pequena escala, o que indica que as ações faltantes que citamos poderiam elevar em muito o apelo dessas tecnologias no país.
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